Encaixem minhas peças!

Existe uma dor profunda dentro de um coração que não se sente observado. Há uma lacuna interna aberta, que precisa ser preenchida por alguma coisa que nos faça sentir “enxergadas”. Ansiamos por alguém que olhe nossos olhos e enxergue a nossa alma. Que saiba o que estamos sentindo naquele dia. Que saiba como queremos ser tratadas. Que entenda que, hoje talvez, apenas estou irritada por estar irritada, e então nos ofereça um abraço e uma boa companhia, mesmo em silêncio. Não interessa se são os hormônios que tomam espaço, desejamos no mínimo respeito pela nossa “irritante irritação” mensal, ou talvez, nossa melancolia, tristeza, humor inconstante, raiva e seja qual for o sintoma.

Ansiamos também por alguém que entenda que por trás de um sorriso, existe uma dor, que por trás de um pedido de ajuda simples, existe um grito de socorro envergonhado e camuflado, por medo de ser rejeitado ou julgado, por simplesmente precisar de alguém.

Mas infelizmente pessoas não têm olhos de raio-x. Ah, como eu queria ter os poderes do Super-Homem. Voar, atravessar ou derrubar paredes, destruir coisas com o olhar. Todos os seres humanos anseiam por poderes que não têm. Não é a toa que toda criança gosta de histórias de super-heróis. Queremos ser relevantes, ajudar alguém, salvar alguma coisa, transcender, viver no sobrenatural.

Esse buraco insaciável dentro de nós, chamado de coração, foi criado para ter apenas uma peça de encaixe. Imagino isso como aquele brinquedo didático e simples para crianças, onde é preciso encaixar as peças: o quadrado no quadradinho, o retângulo no buraco do retângulo, o triângulo com seu igual e assim por diante. Assim também eu entendo que em nosso coração somente o Senhor Deus, nosso Pai, tem a forma correta de se encaixar nos espaços e nos preencher.

Não adianta burlar. Abrir a tampa e enfiar as peças de uma vez. Tentamos fazer isso com Deus. Fugimos de entender como aplicar a presença Dele em cada lacuna dessa atenção que tanto ansiamos.

Sabemos que Ele é o “tudo em nós”, mas como gostamos de, às vezes, nos deitar e sentir a melancolia. Nos fechar e tratar algumas pessoas com indiferença. Argumentar dizendo: “Sou humana e também posso ter meus dias maus” ou “Nem Jesus agradou a todos”.

Por incrível que pareça, gostamos de curtir a “fossa”. E na primeira desconfiança de que tudo está bem e que podemos ser felizes, nosso coração cheio de coisas a serem preenchidas tenta nos “autossabotar” e arrumar uma forma de sofrer.

Senhor, entra aqui na minha casinha de montar. No quadrado do sentimento de melancolia, seja minha alegria, e me ajude a olhar menos para mim. Me ajude a colocar no Senhor minhas expectativas. Me ajude a entender que Teu olhar sobre mim é suficiente.

No círculo da autocomiseração, como um ciclo vicioso e sem fim, encaixe com seu amor, e me faça lembrar de que não devo pensar sobre mim mesma além do que eu deveria (Rm 12:3), mas que seja equilibrada, e consiga ver os outros superiores a mim. Que ao invés de lamentar sobre o que não viram, ou não fizeram por mim, que aprenda a comunicar o que sinto, e a me oferecer para abençoar ao invés de ser abençoada, ouvir ao invés de ser ouvida, acolher ao invés de ser acolhida.

Que no espacinho do triângulo da irritação eu possa entender que o Senhor tem uma profunda compaixão. Que não preciso bater os pés para que o mundo veja e se compadeça dos meus hormônios descontrolados. Diante de Ti basta apenas uma frase em oração para ser atendida. O Senhor não é movido à barganha e birra. O Seu amor, a Sua graça e a Sua atenção são incondicionais.

Senhor, não me deixe pensar que sou mais esperta que eu mesma. Que eu não abra a tampa fingindo não ver o que preciso, e jogue tudo lá dentro… (faço isso quando digo que você é meu Tudo, mas não o é nas pequenas partes).

Me disponho a passar tempo contigo, deixando minhas pecinhas à Sua disposição, aceitando ser amada, cuidada e pronta. Pronta para aceitar a liberdade de viver sem sofrer.

Talvez tenhamos medo do que fazer sem a dor. Talvez não saibamos por onde andar, talvez não tenhamos mais pelo que orar! Talvez se eu encontrar a plenitude, tenha que viver mais para o outro! Puxa! Talvez terei que perdoar rapidamente! Talvez terei que trabalhar mais do que fulano ou ciclano. Então, pode ser que seja melhor não ser sarada, e ficar aqui, nadando no que penso e no que sinto, e não no que Deus é ou me diz.

“Eu tirei das costas de vocês as cargas pesadas, fiz com que vocês ficassem livres de carregar os cestos cheios de tijolos.” (Sl 81:6)

A liberdade do povo de Israel não os transformou. A liberdade mostrou o que tinham escondido no coração. Quando foram libertos, se perderam! Não souberam o que fazer. A primeira coisa que fizeram foi buscar algo pra preencher o espaço que havia sido liberado para o Senhor. E ao invés de adorar ao Criador, adoraram a criatura, adoraram a si mesmos, ao seu estômago e aos seus interesses.

Que o Senhor nos livre de nós mesmas, e nos permitamos ser preenchidas por Ele, para que a dor do outro nos comova. Para que o crescimento do outro nos inspire. Para que Cristo seja engrandecido, e nós, de forma feliz, sejamos até esquecidas.

Fotografia: Ryoji Iwata on Unsplash

Muita calma nessa alma

Vai ficar tudo b

6 comentários sobre “Encaixem minhas peças!

  1. Fiquei muito pensativa enquanto li esse texto. Nossa liberdade em Cristo é plena, mas quantas vezes resgatamos velhas jaulas pra afagar o nosso ego. Ainda estou com essas verdades na goela! Mas que privilégio saber que temos segurança e paz em nossa condição de filhos (as) amados (as). Podemos depositar toda a nossa esperança e expectativa naquele que nos ama até na TPM 🙂

    Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário