O Deus que não solta a manivela

Há um filme que retrata muito bem o quanto somos seres indefesos, dependentes e frágeis. A história se passa em Nova Orleans, em 2005, por ocasião da passagem do Furacão Katrina. O protagonista leva sua esposa grávida a um hospital. Ela tem complicações durante o trabalho de parto e acaba morrendo. A bebezinha nasce prematura e precisa ser mantida na incubadora. Só que horas depois, o prédio fica sem energia. Como a criança depende da respiração artificial para sobreviver, o pai faz o impossível para manter a máquina funcionando, rodando uma manivela.

Algumas vezes eu e você nos deparamos com furacões que devastam a nossa vida. Nessas horas questionamos: como manter nossa “máquina” funcionando? O problema é que não há receitas ou tutoriais que nos ensinem isso. Não há um passo a passo dado por algum Call Center que nos explique como enfrentar um furacão arrasador.

Em fevereiro de 1994, eu estava em casa, na cidade de Anápolis, quando recebi uma fatídica ligação telefônica. Dois meses antes os meus pais haviam viajado para Recife, para um período de descanso e para passar um tempo com parte da nossa família que lá reside. Naqueles dias, minha mãe teve complicações de saúde e, ao fazer alguns exames, descobriu-se que ela estava com um tumor no cérebro, mais precisamente na meninge, com um tamanho considerável e a indicação era de cirurgia imediata. Na época ela tinha 49 anos. Foi aí que um “Katrina” invadiu a minha vida, e não só a minha, mas da família inteira.

Como o atendimento médico em Recife era muito bom, inclusive com um Polo de Neurologia referencial na América Latina, eles decidiram prosseguir com o tratamento por lá, ao invés de voltar para o interior de Goiás. Além disso, o irmão mais velho do meu pai, sendo médico, tinha ótimos contatos e dava certa segurança a todos.

Na época minha filha primogênita estava com dois anos. Cerca de um ano antes dela nascer, minha mãe havia sido submetida a uma mastectomia radical direita, e a 10 sessões de quimioterapia. Infelizmente esse novo tumor era uma metástase.

Eu queria muito estar lá por ocasião da cirurgia, só que na época eu não tinha o valor necessário para comprar as passagens aéreas. A tarifa estava alta, porque era período de carnaval. Só que Deus, em sua misericórdia infinita, atendeu o anseio do meu coração. Uma grande e saudosa amiga, Jane Lawrence, sabendo da situação, me presenteou com o valor quase completo das passagens e lá ia eu pra Recife. Só que outra provação se acercou de mim: voos lotados para Recife naquele carnaval. A única data disponível era para o DIA da cirurgia. Ou seja, quando eu chegasse lá, minha mãe já estaria no Bloco Cirúrgico do Hospital Português.

Embarquei em Goiânia, orando e chorando. Não era possível prever o que aconteceria naquela operação, e como eu queria estar com minha mãe tão amada naquele momento difícil…

Ao passar pelo portão de desembarque, no Aeroporto dos Guararapes, lá estava minha Tia Luisa, queridíssima desde sempre, me recebendo com um abraço bem apertado. Quando olhei para ela, ouvi: “Minha filha, você não sabe o que aconteceu. Um cano estourou, houve uma inundação no Centro Cirúrgico e a cirurgia de sua mãe foi adiada”. É numa hora dessas que dá vontade de perguntar: “Posso ouvir um Glória a Deus, igreja?”

Meu desejo na hora era só de me ajoelhar e glorificar a Deus! Quanta bondade! Quanta provisão! Quanto amor! Eu só chorava, mas dessa vez era de alegria e gratidão.

Ao entrar no apartamento do hospital, Dona Neuza olhou pra mim assustada e disse: “Menina, o que você tá fazendo aqui?” “E a Jessica?” Ao que respondi: “Vim ficar com você e a Jessica está muito bem com o pai dela”.

Dois dias depois, carregando o tubo de soro ao alto, saí com ela para dar uma caminhada pelos corredores do Hospital. Sentamos-nos num sofazinho bem confortável, num canto sem muito movimento, e ali tivemos uma conversa definitiva. Eu perguntei se ela tinha ideia do quanto Deus a amava, do quanto ele é misericordioso e gracioso com aqueles que creem em sua Palavra e buscam a sua presença. Disse que não havia nenhuma falta cometida por ela em qualquer época de sua vida que Ele não pudesse perdoar, e que tudo que Ele queria era vê-la abrindo seu coração, confessando a Ele todas as suas culpas, entregando-lhe seu pesado fardo e recebendo em troca o fardo leve e suave que Jesus tinha para lhe dar. Nesse momento, em lágrimas, ela fechou os olhos e fez uma linda oração, confessando a ele todas as suas faltas e pedindo a Jesus que viesse morar em seu coração. Naquele sofazinho, às vésperas de passar por uma cirurgia tão perigosa e invasiva, ela entregou sua vida a Deus.

Minha mãezinha estava indefesa, vulnerável, fragilizada e com medo. O furacão chegou e não havia como negar isso. Mas Deus providenciou uma passagem aérea, fez com que um cano rompesse e ajeitou um cantinho numa tarde fresca.  Tudo isso pra que a Neuza entendesse, de uma vez por todas, que Ele estava ali, a vida inteira ao lado dela, apenas esperando aquele momento chegar.

Terminando de digitar essas palavras, lembro-me de uma cena daquele filme: o mundo se acabando lá fora, e aquele pai rodando uma manivela sem parar, pra manter sua filhinha viva. A Bíblia diz que não dormita e nem dorme o guarda de Israel. Esse é o nosso Deus. Deus que jamais abandona os seus. Jamais.

Fotografia: Ben White on Unsplash

 

25 comentários sobre “O Deus que não solta a manivela

  1. Quando a doença chega aos 21 anos de idade, com 9 meses de casada e no primeiro ano no campo missionário, você pergunta a Deus: Por que eu? Por que agora? Mas quando eu estava vulnerável, ele me ensinou que nada está no meu controle. Quando eu achei que não tinha mais nada, vi que ele era tudo o que eu precisava. Na vulnerabilidade experimentamos o sabor doce e fresco da graça transbordante do Senhor em nossas vidas!

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  2. Ai,ai… 3 da manhã e eu me acabando de chorar!
    Esse furacão foi mesmo avassalador né amada!
    Fiz uma viagem agora lendo seu texto…qtas lembranças de como foi difícil e muita certeza de que só foi possível passar por tudo graças a Ele!
    Deus nos capacita a enfrentar os furacões, com toda certeza!
    Parabéns pelo texto, tenho muito orgulho de ser sua irmã e muito grata, a Ele sou, por essa bênção!
    Love you so much ❤

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  3. Essa é minha prima irmã tão querida! Um coração forte, uma mente ágil, uma alma de fé! Muitas lágrimas rolaram ao ler essa passagem da vida da minha tia tão amada, tão linda! Que bom que ela teve tempo para abrir a porta e deixar Jesus entrar!
    Que esse seu relato, minha irmã querida, chegue aos leitores de forma que o Menino Jesus, nesse Natal, possa nascer no coração de todos! Meu amor sempre seu.

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  4. Essa é minha prima irmã tão querida! Um coração forte, uma mente ágil, uma alma de fé! Meu coração rejubila em saber que minha amada e linda tia teve tempo para abrir seu coração e receber Jesus! Que Jesus não precise jamais nascer em uma estrebaria ou numa gruta. Que Ele encontre um lugar quentinho bem dentro do nosso coração! Meu amor sempre.

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  5. Querida Mônica.
    Seu texto, como sempre, perfeito. Consigo ouvi-la contando sua linda história, que em alguns detalhes me lembraram, com muita emoção, meus últimos momentos com minha querida mãe. Obrigada por me lembrar dos maravilhosos milagres do nosso amado Deus e das promessas de Jesus. Amo você.

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  6. Mônica!!!! Que lindo!!!! Vc escreve e a gente sente como se estivesse vivendo cada palavra! Deus de maravilhosa graça! Deus que providencia tudo! Te proporcionou mais do que abraçá-la, vê-la entregando sua vida ao nosso Pai! Imagino o tamanho da sua saudade e da certeza do reencontro! Parabéns, amiga!

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